quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Sobre amor e libéluas...



"Um dia desses estava escorado na janela de um hotel qualquer quando uma libélula pousou a poucos centímetros do meu braço. Na hora, eu não sabia ao certo se aquilo era uma libélula, ou uma cigarra, ou inseto gigante qualquer. Nunca soube, e os poucos segundos que perdi tentando classificar o bicho foram suficientes para que ele sumisse. Bateu asas e escafedeu-se entre as árvores.

Eu tenho uma ligação especial com libélulas. Foi correndo atrás de uma que eu me estabaquei no chão, fraturando uma costela, perfurando o baço e sofrendo uma hemorragia interna que por pouco não me matou. Tinha cinco anos e, desde então, convivo com uma cicatriz que me atravessa o abdomem, lado a lado. Tudo que eu queria era vê-la de perto, justamente para me certificar se o bicho em questão era cigarra, libélula ou "seja-lá-o-que-fosse".

Se a necessidade de classificar uma libélula me rendeu duas semanas de internação, imagino o que me aconteceria se eu ficasse tentando classificar meus sentimentos. Inclusive, me cansa ver por todo lado gente tentando diferenciar um sentimento do outro. Se é amor, amizade, namoro, rolo, beijo, ficada, passatempo... Não tenho a mínima idéia, e nem quero ter! São inúmeras as espécies de relacionamento e a tentativa de classificar a todo minuto algo que, às vezes, é simplesmente inclassificável pode resultar em muito mais do que um baço perfurado.

Às vezes, perdemos a noção de que cada minuto da nossa vida pode ser o derradeiro, de que cada ligação telefônica pode ser a última, bem como aquela pessoa, de quem você ainda não sabe se gosta, pode ser o último romance.

O amor é uma libélula que pousa na nossa janela pouquíssimas vezes. Corra atrás da sua libélula, sem medo de se machucar. Viva o seu romance. Viva o seu último romance."
Lucas Silveira, Fresno

O único Poeta

Existem coisas belas na vida. Os poetas são as coisas belas da vida. Um dia eu me apaixonei por um. Ninguém nunca o amou como eu amei. Seu nome, o mais belo de todos, Carlos Drummond de Andrade.
Eu estava num daqueles dias em que se quer abraçar o mundo, porém não se tem braços e pernas para tanto. Então se fica em casa, num canto, abraçando os livros. Abri um deles e lá estava. Era ele...O mais belo de todos. Que a partir daquele momento sequestrou meu coração e bagunçou a minha vida com suas palavras. Digo bagunçar, pois a partir daquele dia nunca mais fui a mesma. Quando lia, quando escutava Drummond, todos os meus meus desejos estavam satisfeitos...Todos os meus sonhos realizados...
Em nossos encontros, ele aparecia sério, com olhos tão sinceros que era possível enxergar a sua alma. E que alma bela...E que alma apaixonante...Ele chegava devagar, falando baixo...Falava sobre o amor..."Quando encontrar alguém e esse alguém fizer seu coração parar de funcionar por alguns segundos, preste atenção: pode ser a pessoa mais especial da sua vida.." E o meu coração parava. Quando voltava à realidade, lá estava ele, ainda sereno, porém, agora falava sobre a vida..."A cada dia que passa, mais me convenço de que o desperdício da vida está no amor que não damos. A dor é inevitável, o sofrimento é opcional."
Nossos encontros foram divinos. A cada dia a janela da minha alma se abria um pouco mais e a cada vez ficava mais cega de amor. Em nosso último encontro, Drummond aproximou-se calmo como sempre, beijou-me na testa e falou baixo, tão baixo que mal pude ouvir...Ele disse: "As coisas tangíveis tornam-se insensíveis à palma da mão. Mas as coisas findas, muito mais do que lindas, essas ficarão..." Fechei meus olhos e quando os abri ele já não estava lá.
Até hoje o guardo em mim e costumo dizer que se Drummond fosse vivo, ele me amaria. E quando a saudade já não cabe mais em mim, vou a um canto, abro um livro e peço a Deus para que ele volte.